domingo, 17 de outubro de 2010

Pedaço de Mundo





Este pedaço de mundo agora é meu
Este verde, este marrom e os lilases
Deste chão empoeirado,
Destes sons agudos do beija flor.

São dois não um, agora vejo.


O piano, o violino, a composição de alguém.
Preciso respirar tranqüilamente
Pedem por este momento meus pulmões

Sou desejo de um mundo melhor
De homens e mulheres melhores


“Homens embebedam-se, anulam-se

Meninos humilham-se, violentam-se
Mulheres desorientadas carregam ilusões
Muitas são Barbies ou Cindis.
Este mundo me é puro delírio e dor.”


Ao som do violino, choro solo.

As flores amareladas ao chão
O vôo deste beija flor
Esse momento é meu agora

Daqui a pouco sou do mundo

Que se ignora, eu não.

Maria Rita Pereira

Um violino na lama























Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira, in Antologia Poética

Chegadas e Partidas sem Despedidas






















Sempre estudei violino. Tocava muitíssimo bem. Também pudera, tantos anos passados dentro de um conservatório. Oras, eu teria que ter aprendido.Até conhecê-la, achava que existia apenas o violino e suas notas.Ainda lembro do dia em que me apaixonei por suas lindas e brancas pernas tortas. Estávamos em uma livraria. Ela lendo Chopra e eu... Bem, tentando ler Murakami.Tentando parecer inteligente, perguntei a ela se conhecia Murakami.- Sim, ele faz belíssimas bolsas, respondeu.Eu sem entender nada, apenas a olhei fixamente.- Você disse, Murakami, designer da Louis Vuitton, respondeu bastante confusa.Dei uma risada nervosa, tão linda e tão fútil, pensei. Se não estivesse tão enfeitiçado por aquela garota, certamente a teria deixado falando sozinha. Porém, expliquei que se tratava de um escritor japonês e tal. E principalmente, que certamente não estávamos falando da mesma pessoa.- Japonês é tudo igual mesmo, rostos, nomes, ela disse.Quanta futilidade! Nos encaramos um pouco. Convidei-a para tomar algo. Pedimos cerveja. Ela tomou no gargalo, sem o menor embaraço. Conversamos sobre livros (dessa vez sem homônimos), cinema, relacionamentos e assuntos diversos. Convidei-a para ir até o meu apartamento. Ela aceitou e nunca mais foi embora.- Toca pra mim, ela sempre dizia.Eu passava praticamente o dia todo tocando o meu violino, enquanto ela desenhava roupas e sapatos.A sensação de ver aqueles longos fios, escuros, lisos e soltos, acompanhando a sua respiração era indescritível.Também sabia que era desejado. Ela encarava o meu violino o tempo todo. Muitas vezes desistia do lápis apenas para me ver tocar.Nos últimos tempos, a excitação inicial e o amor à primeira vista foram desaparecendo. Já não me importava se ela estava presente. Era claro também que ela já não ouvia as minhas músicas com o mesmo apreço. Nem pedia mais. Não sei bem o que, e nem quando aconteceu.Já faz um mês que ela partiu. Desde então, não fixo o meu olhar em nada. Me disseram que ela anda arredia e distante também. Ninguém entende o que nos aconteceu.Mas hoje ao quebrar o meu violino, me libertei. Espero que ao cortar o seu cabelo, ela tenha se libertado também.

Debora Daher

"Violinos não Envelhecem"


















"... A testemunha que me relatou o sucedido ..., atrasou-se para um compromisso em minha casa, chegou três horas depois , explicando que havia ido ao velório de um tio de 81 anos de idade que morrera de amor . Parece que seu velho corpo não suportara a intensidade da felicidade tardia, e os seus músculos não deram conta do jovem que, repentinamente, deles se apossara.
O amor surgira no tempo em que ele é mais puro: a adolescência. Mas naquele tempo havia uma outra AIDS, chamada tuberculose, que se comprazia em atacar as pessoas bonitas, os artistas e os apaixonados- esses eram os grupos de risco. Pois ela, a tuberculose, invejosa da felicidade dos dois, alojou-se n os pulmões do moço, que teve que ir em busca de ar puro, no alto das montanhas... Quem ia para tais lugares despedia-se com um "adeus", um olhar de "nunca mais". Na melhor das hipóteses, muitos anos iriam se passar antes do reencontro.
Imagino o sofrimento da jovem dividida : o corpo naquela casa, a alma por longe terra!! Na vida daquela menina , que surda, perdida guerra...(Cecília Meirelles).
Valeram mais os prudentes conselhos da mãe e do pai: não trocar o certo pelo duvidoso.
Vale mais um negociante vivo do que um tuberculoso morto. E aconteceu com ela o que aconteceu com a Firmina Dazza , que de longe e às escondidas namorava o Fiorentino Ariza, na estória de Gabriel Garcia Marques - Amor nos tempos da cólera - , que foi obrigada pelo pai a casar com o doutor Urbino: não se troca um médico por um escriturário.
Casou-se e com ele ficou até que , depois de 51 anos, veio libertação...
Ela casou. Ele casou. Nunca mais se viram. Quando ela tinha 76 anos (ele tinha 79), ela ficou viúva. E ficou sabendo que ele estava vivo. A curiosidade e a saudade foram fortes demais. Foi procurá-lo. Encontraram-se. E de repente eram namorados adolescentes de novo. Resolveram casar-se. Os filhos protestaram. Eles, os filhos, não suportam a idéia de que os velhos também têm sexo. Especialmente os pais. Pais velhos devem ser fofos, devem saber contar histórias, devem tomar conta dos netos.
Mas velho apaixonado é coisa ridícula. Não combina. ...Os filhos sempre decidem contra o amor dos pais.
Mas, na nossa estória, os dois velhos deram uma banana para os filhos e foram viver juntos em Poços de Caldas. Viveram uns anos de amor maravilhosos, e ele até começou a escrever poesia e voltou a tocar o violino que ficara por mais de 50 anos sobre um guarda-roupa, porque a esposa não gostava de música de violino. Confessou ao sobrinho: "Se Deus me der dois anos de vida com esta mulher, minha vida terá valido a pena...” Bem que Deus quis. Mas o corpo não deixou. Morreu de amor, como temia o Vinícius.
Achei a estória tão bonita que transformei numa crônica a que dei um título inspirado nas Sagradas Escrituras: - "... e os velhos se apaixonarão de novo".
... Passaram-se semanas. Eram dez horas da noite. Eu estava trabalhando no meu escritório.
O telefone tocou. Voz aveludada de mulher do outro lado.
- É o professor Rubem Alves ?
-Sim, respondi secamente. Eu sempre sou seco ao telefone.
- Quero agradecer a belíssima crônica que o senhor escreveu com o título "... e os velhos se apaixonarão de novo". O senhor já deve ter adivinhado quem está falando...
- não, respondi. Por vezes eu sou meio burro. Aí ela se revelou: -Sou a viúva.
Foi o início de uma deliciosa conversa de mais de quarenta minutos, interurbano, em que ela contou detalhes que eu desconhecia. O medo que ela teve quando ele resolveu mandar consertar o violino! Ela temia que os dedos dele já estivessem duros demais...
Ah! Que metáfora fascinante para um psicanalista sensível. Sim, sim! Nem os violinos ficam velhos demais, nem os dedos ficam impotentes para produzir música ! E aí foi contando, contando, revivendo, sorrindo, chorando- tanta alegria, tanta saudade, uma eternidade num grão de areia... Ao terminar, ela fez esta observação maravilhosa: - - Pois é, professor. Na idade da gente, a gente não mexe muito com sexo. A gente vivia de TERNURA.
Aqui termina a lição do Evangelho.
Rubem Alves do livro: Sobre o tempo e a “eterna” idade.

Violino Vermelho




Da seda dos teus cabelos
Teci suas cordas
O verniz escarlate
Apurei do teu sangue
Minha amada!
Nos seus acordes
Para o meu deleite e consolo
Para todo o sempre
Viverá tua alma!

Kássia Reis

Ao som dos violinos





















Chora violino intransigente
o arco te acarinha os tendões
as cordas de minhas emoções
tocam contigo, indulgentes

Toca lá, meu arguto amigo,
solta tua voz tão afinada
vai buscar-me a doce amada
trazei-mo-la nas notas contigo

Afastai-me do peito a agonia
da saudade que me dilacera
fazei-me real esta utopia

Afastai de mim atroz quimera
que devora-me noite após dia
esta ânsia que em mim se encerra.

Jorge Linhaça

O violino



Leve como penas soltas
o violino solta as notas
no vazio da noite...
Leve,como o riso franco
o violino toca e dança
na virtude de brincar
com o lírio
que o homem pisou
e afaga a folha mutilada
curando com as notas
a sua dor...

Cezar Ubaldo

O violino de uma corda só





















Era uma vez um grande violinista chamado Paganini. Alguns diziam que ele era muito estranho. Outros, que era sobrenatural. Ninguém queria perder a oportunidade de ver seu espetáculo.

Numa certa noite, o palco, repleto de admiradores, estava preparado para recebê-lo. A orquestra entrou e foi aplaudida, o maestro, ovacionado. Mas quando Paganini entrou, o público delirou. Paganini coloca o violino no ombro e o que se segue é indescritível.
De repente, um som estranho interrompe o devaneio da platéia. Uma das cordas do violino arrebenta. O maestro parou. A orquestra parou. Mas Paganini continuava a tirar sons deliciosos de um violino com problemas. O maestro e a orquestra, empolgados, voltam a tocar.

Quando tudo parecia bem, outra corda quebra. Todos param novamente, menos Paganini, que continua a tirar sons maravilhosos. Empolgados, todos voltam a tocar.

Mas outro som perturbador ecoa no auditório. Mais uma corda. Todos param novamente. Mas Paganini não pára. Como se nada tivesse acontecido, ele esquece as dificuldades e avança tirando sons do impossível. O maestro e a orquestra impressionados, voltam a tocar.

O público parte do silêncio para a euforia, da inércia para o delírio. Paganini atinge a glória. Seu nome corre através do tempo. Ele não é apenas um violinista genial. É o símbolo do profissional diante do impossível.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010




“Mas de súbito foi como se ela tivesse entrado, e essa aparição foi para ele uma dor tão dilacerante que teve de levar a mão ao peito. É que o violino subira a notas altas onde permanecia como para uma espera, uma espera que se prolongava sem que o instrumento cessasse de as sustentar, na exalação em que estava de já perceber o objeto da sua espera que se aproximava, e com um desesperado esforço para durar até sua chegada, acolhê-lo antes de expirar, manter-lhe ainda um momento com todas as suas derradeiras forças o caminho aberto para que ele pudesse passar, como se sustenta uma porta que sem isso se fecharia. E antes que Swann tivesse tempo de compreender e dizer consigo: ‘É a pequena frase da sonata de Vinteuil, não escutemos!’ todas as lembranças do tempo em que Odette estava enamorada dele e que até aquele dia conseguira manter invisíveis nas profundezass de seu ser, iludidas por aquela brusca revelação do tempo de amor que lhes parecia ter voltado, despertaram e subiram em revoada para lhe cantar apaixonadamente, sem piedade para com seu atual infortúnio, os refrões esquecidos da felicidade.”

Marcel Proust



















Pode um vinho velho ser tão bom quanto um novo? Assim também com os violinos. Mas um violino novo deve ser bastante tocável de imediato: afinal, não temos a vida toda para esperar que o som melhore...

Ruggiero Ricci

Arco de violino de pau-brasil






Nos países de língua francesa, ele é chamado de Bois de Brésil e de Bresillet de Pernambuco.

Nos países de língua inglesa, ele é conhecido por Brazil-wood, Pernambuco-wood, Lima-wood, Nicarágua-wood, peach-wood, sapam-wood ou bukkum-wood.

Na Argentina, o chamam de pinango.

Na Índia, de sapam.

E na Espanha, seus nomes são palo Brazil ou palo de Santa Marta.


Segundo dados históricos, coube a um gênio projetista francês do século XVIII, François Tourte, a criação do arco de violino a partir da madeira considerada a ideal - o pau-brasil - conhecido na França também como "Fernambouc", uma corruptela de Pernambuco.
Os dados a respeito do uso do pau-brasil na confecção de arcos de violino são bastante incompletos. Não existem números confiáveis sobre a quantidade de madeira exportada para este propósito e quanto se gasta de madeira para se fazer um arco. Negociantes de madeira relutam em divulgar estas informações, mas estima-se que anualmente negociam-se 200 metros cúbicos, embora este número possa aumentar, pois muita madeira é gasta no processo de fabricação dos arcos. (Um arco de violino típico requer o uso de 1 kg de madeira).
O que deve ser cobrado das autoridades competentes é uma rigorosa vigilância sobre essa indústria, a fim de evitarem abusos que levem a novos desastres ecológicos. Caso contrário, cada vez que um arco de violino no mundo fizer gemer o instrumento, seremos forçados a nele reconhecer o grito lancinante de um pau-brasil caindo ao chão, indefeso!

No final da década de 70, um grande madeireiro capixaba afirmou: "Dos sete violinos Stradvarius que existem no mundo, conheci dois, um em Milão e outro em Paris, com arcos feitos de pau-brasil, numa época em que o país não havia sido descoberto. Há registros também de violinos europeus menos famosos, datados da Idade Média, com arcos fabricados em pau-brasil."





















“Abandonei o violino. Com o passar dos anos, tornava-se cada vez mais insuportável ouvir o que eu próprio tocava."

Albert Einstein


























Um romance é como um arco de violino, a caixa que produz os sons é a alma do leitor.

Stendhal